Risco na Natureza - Abelhas e Abelhudos

Toda e qualquer atividade que envolva a natureza existe risco, o mesmo risco que há em ser atropelado na rua ou ser assaltado na porta de um shopping. O risco é inerente a prática de esportes de aventura e cabe ao praticante, seja ele amador (esportista) ou profissional (guias e condutores de aventura), gerenciar a atividade para que se tenha o mínimo de segurança.

Recentemente, um amigo alugou caiaques de uma empresa de turismo de João Pessoa para um passeio no Rio Gramame, divisa dos municípios do Conde com a capital, João Pessoa (PB). Na equipe, três clientes (meu amigo), um “guia” e o dono da agência. O objetivo era remar 9 km saindo da ponte na PB-008 até a foz do Gramame.

A aventura começa até que os remadores são impedidos de continuar devido a densa vegetação fechando a lâmina d´água. O “guia” e meu amigo decidem descer dos caiaques e seguirem a pé em busca de uma possível passagem. Na curta caminhada, meu amigo foi picado por uma abelha e minutos depois começou a passar mal e informou ao suposto guia que iria desmaiar.

Ele ficou inconsciente por vários minutos e acordou com o “guia” checando seu pulso, logo em seguida ele desmaiou uma segunda vez. Após muita dificuldade e preciosos minutos perdidos, ele foi retirado do rio e encaminhado para o Hospital de Trauma de Mangabeira, onde desmaiou por mais duas vezes.

Picada de abelha é um risco real em vários lugares no Brasil. Risco é um resultado, não algo que se possa controlar diretamente. Os fatores de risco, como causas, sim. Ao gerenciar risco devemos prestar atenção à causa e não apenas ao resultado. Após identificados e analisados, é possível gerenciar risco em esportes de aventura de quatro formas:

1. Eliminar – evitando ou não continuando uma determinada atividade;
2. Reter - mantendo parte ou todo o risco, para que você mesmo financie ou assuma. Muito comum em praticantes que possuem um nível técnico bastante apurado;
3. Transferir - transferindo o risco para outra organização ou contrato. Por exemplo, um seguro de vida;
4. Reduzir - quando o risco não pode ser evitado, no entanto sua frequência e severidade podem ser minimizados com a manutenção dos equipamentos, estabelecimento de procedimentos e protocolos de emergência, através de treinamentos adequados;

Ação de redução de risco é o que falta em alguns profissionais e empresas que trabalham com esportes de aventura no Brasil. Graças as ações como o Aventura Segura da Associação Brasileira de Empresas de Turismo de Aventura (ABETA), essa realidade está mudando. Porém nem todos profissionais estão agindo como deveriam. Assim, cabe ao praticante saber escolher quem realmente tem condições técnicas ou não para trabalhar com aventura. Na posição de cliente, busque empresas que são homologadas pelo Aventura Segura, com selo ABNT.

Como aluno ou apenas praticante procure por pessoas que possuem conhecimento, cursos e preparação adequada para atividades de aventura principalmente em áreas remotas (com mais de uma hora de socorro adequado), fuja dos piratas e das abelhas.

Fazendo uma breve análise da ocorrência, meu amigo desenvolveu anafilaxia, ou reação anafilática, que é uma reação alérgica grave e que pode levar a morte. Toda alergia é uma resposta do sistema imunológico de forma exagerada a uma substância diferente ao nosso corpo. Os principais sintomas muito comuns das alergias não são causados inicialmente por picadas de insetos, comidas, ou qualquer outra substância alérgica; os sintomas são sim causados pelo anticorpo do tipo IgE e pela ação das células de defesa chamadas de basófilos e mastócitos, e pela enorme liberação da substância histamina.

Dois são os sintomas mais comuns (Angioedema e Urticária) e que ocorrem em quase 90% dos casos. Esses sintomas podem começar poucos minutos depois do contato com a substância, porém podem demorar até 1 hora. São eles:

- Angioedema: É o Inchaço da mucosa ou da pele. Os mais frequentes são os edemas ao redor dos olhos, na língua, nos lábios. O mais perigoso e que pode ser letal é o edema da laringe, conhecido também como edema de glote.

- Urticária: É uma erupção cutânea, visíveis por manchas vermelhas por todo corpo.

Não precisa ser médico nem enfermeiro para saber o que é um choque anafilático. Se alguém se coloca na posição de guia, instrutor ou condutor (tendo ou não ganho financeiro pelo trabalho), essa pessoa deve ter uma postura, conduta e treinamento profissional para tal. Ele ou ela é o responsável pela segurança dos demais.

Um curso de primeiros socorros de 3 dias (WFA – Wilderness First Aid de 24 horas) ou um mais longo para instrutores e condutores profissionais (WFR - Wilderness First Responder de 80 horas) teria feito uma grande diferença no caso do meu amigo, que sobreviveu.

O que poderia ter sido feito? De forma simplória seria treinamento adequado e estojo equipado. Fica claro que o guia não tinha treinamento suficiente em primeiros socorros em áreas remotas e nem um estojo de primeiros socorros adequado e equipado com adrenalina e anti-histamínico (antialérgico). No Brasil ainda é ilegal pessoas que não são médicas realizarem procedimentos invasivos (aplicar injeção de adrenalina por exemplo) fora do ambiente hospitalar. Porém pessoas treinadas podem efetuar esse procedimento havendo uma regulação por telefone (por exemplo) com um médico treinado para tal.

Esportes de Aventura ainda são encarados no Brasil como esportes radicais e de alto risco. Na verdade não são. Há uma luta constante por parte de muitos praticantes sérios em mudar essa imagem negativa. São sim, práticas que podem ser seguras e que podem mudar os hábitos das pessoas na natureza. Atitudes como desses guias geram indignação, pois mais uma vez coloca a atividade como de grande risco e perigosa.

Fica claro que o risco maior está nos “guias credenciados”. Mais perigoso que a abelha é a escolha do abelhudo.

Edmilson M Fonseca


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